Entrevista Masashi Kishimoto
Post originalmente publicado no dia 08/03/2016
Entrevista traduzida do site ANN de Outubro de 2015.
Post original abaixo:
Masashi Kishimoto desenhou Naruto pela primeira vez em um mangá one-shot no ano de 1997, e então foi colocado como uma série semanal na Weekly Shonen Jump em 1999. Kishimoto nos conta a história sobre um valente e jovem ninja órfão que possui o poder de um “deus” raposa de 9 caudas preso em seu corpo e sua ambição de deixar de ser apenas um moleque para ser o maior líder ninja. É um conto épico que conta com mais de 72 volumes e 700 capítulos, adaptado para anime, filmes, video games, novels, e um dos maiores sucessos de venda em livros (não apenas quadrinhos ou mangá) de todos os tempos.
Em sua primeira visita na América do Norte, Nova Iorque e a Comic-Con, Masashi Kishimoto nos dá uma oportunidade especial para ouví-lo sobre Naruto e suas criações, além de seus planos futuros.
Durante eventos em sua visita, como o da Apple Store no centro de Nova Iorque, não foi permitido tirar fotos com ele. Kishimoto é um homem magro que está no início dos seus 40 anos. De princípio aparenta ser um homem quieto, mas é amigável e bem sociável. Ele riu de algumas piadas com os fãs e parece receber bem sua fama e sucesso.
Antes da entrevista com a Comic-con, Kishimoto foi perguntado se ele estava ciente do impacto que Naruto tinha ao redor do mundo e do seu papel como “embaixador do Japão” na América do Norte. Kishimoto riu, dizendo que era impressionante que fãs internacionais estariam interessados na cultura e mangá japonês, e que ele pensava que as pessoas estariam mais acostumadas com “Naruto” como um ingrediente de ramen e não no ninja.
Sobre o estilo cinemático de desenhar, Kishimoto explicou que seu estilo foi influenciado por grandes mangakás como Akira Toriyama (Dragon Ball), Katsuhiro Otomo (Akira) e Hiroaki Samura (Blade of the Immortal). Kishimoto também demonstrou admiração por Star Wars e filmes de heróis de quadrinhos como Homem-Aranha, Homem de Ferro e Batman.
Ele também comentou brevemente sobre sua rivalidade amigável com Eiichiro Oda, criador de One Piece.
“Apesar de termos a mesma idade, One Piece estreou mais ou menos um ano antes do que Naruto. Ele me venceu nisso. Eu tinha muita inveja no começo, mas ao mesmo tempo, eu não queria apenas ser como ele mas também melhor do que ele. Em certa forma, eu senti que o motivo de Naruto ter sido capaz de ser publicado, e o sucesso que teve, foi por causa de One Piece. Acho que ambos nos demos apoio e nos reforçamos com o passar dos anos obtendo sucesso graças a essa rivalidade. Quando um de nós fazia algo, o outro tinha que fazer o oposto, e isso mantinha ambas as séries funcionando”.
Kishimoto também descreveu seu processo criativo, e revelou todo o processo, desde rascunhos e storyboards, a arte final é feita à mão, e não digital. Porém, ele deixa um conselho para futuros artistas:
“Eu não recomendo mais o método manual. É muito custoso, exige muito trabalho e tempo. Eu definitivamente recomendo para aqueles que estão começando ou pensam em começar para ir no método digital. Porém não há software ou tecnologia digital que vá te ajudar a fazer uma história melhor.”
Bakuman., o mangá sobre fazer mangá de Tsugumi Ohba e Takeshi Obata também foi mencionado nessa conversa. Quando perguntado se Bakuman. era uma representação fiel do que é ser um mangaká da Shonen Jump, Kishimoto respondeu: “Eu realmente tive a experiência de ter um editor gritando comigo, principalmente sobre prazos. Acho que uns 99% é real. O outro 1%, acredito que não seja realista estudantes do ensino médio conseguirem atuar profissionalmente e ainda conseguir ir a escola ao mesmo tempo. Mas certamente eu tinha que ir trabalhar mesmo quando estava doente.”
Durante suas pausas na sua incansável rotina semanal, ele cuida da sua própria saúde ao fazer caminhadas e musculação. Ele também tem passado um bom tempo se reconectando com a família. Ele mencionou que o filme Boruto é inspirado em parte pelo relacionamento com seus filhos. Kishimoto confirmou que seu próximo projeto de mangá provavelmente será uma história sci-fi, mas optou por não dar mais detalhes porque não quer ninguém roubando a ideia antes dele por em prática.
Sem mais delongas, vamos a entrevista de perguntas e respostas com Kishimoto, a respeito de sua visita ao Ocidente, Naruto, relacionamentos, projetos futuros, etc.
– Sabemos que essa é sua primeira viagem a um evento no Ocidente. Como foi ser recepcionado pelos fãs na Apple Store ontem, e aqui na Comic-Con?
Foi uma experiência bem mística, bem interessante!
– Sabemos que você tem o conhecimento da popularidade de Naruto ao redor do mundo, mas enquanto ouvia você ontem na Apple Store, tive a sensação de que isso não parecia real para você. O que você pensa agora que encontrou alguns fãs?
Claro, eu já fui informado da popularidade no ocidente, mas não tinha sentido como algo real até hoje. Mesmo agora, ainda não caiu a real para mim. Sinto que mesmo que as pessoas me digam que há vários fãs querendo me ver, parece uma armação.
– O que você quer dizer com isso? (risos)
Tipo como se tivesse um público assistindo, durante um sitcom.
– Você diz como se fosse um público falso?
Sim, um público armado.
– Bem, você com certeza vai mudar de ideia após a tarde de hoje. Você mencionou Dragon Ball de Akira Toriyama, Akira de Katsuhiro Otomo e Blade of the Immortal de Hiroaki Samura. O que você se inspirou nesses trabalhos e o que você gosta neles?
Eu diria que eu peguei um pouco de cada, e algo diferente de cada um deles. Por exemplo, com Dragon Ball, eu estava lendo quando ainda estava no Fundamental. Dragon Ball me ensinou o que é divertido em um mangá, o que torna uma história divertida. Pra dizer a verdade, eu o lia enquanto ele era lançado semanalmente na Weekly Shonen Jump, então ele realmente me ensinou o que é entretenimento e como manter um público interessado – e é claro que a arte me influenciou também.
– Blade of the Immortal é uma história samurai japonesa bem tradicional, já o seu mundo ninja é mais fantasioso. Como você teve essa ideia?
Obviamente, um ninja realista é alguém que usa preto o tempo todo com apenas os olhos visíveis, se esconde nas sombras e são assassinos. Isso é legal em sua própria maneira, mas não necessariamente apropriado ou algo que encaixe numa série mangá shonen. Esse tipo de história seria um gênero diferente. Então eu estava pensando em fazer algo apropriado, não apenas para uma série shonen, mas para a Jump shonen. Eu descobri que queria tomar um rumo oposto, e representei esse personagem que se veste com cor laranja.
– (risos) Eu ia dizer agora que as vestes laranja brilhante do Naruto não são ideais para um assassino ninja.
É uma veste laranja, e Naruto é tipo “Ei, olha pra cá!” que é completamente o oposto de como um ninja deve se comportar! É um paradoxo. Mas eu descobri: “Por que não fazer isso um outro tipo de ninja?” Obviamente, tive alguns fãs que eram tipo “Mano, nada a ver”. Eles ficaram realmente chateados porque esse não é o comportamento de um ninja de verdade.
– Outra coisa que é interessante no mundo de Naruto é que há tecnologia, como maneiras de ver vídeos, comunicar a longa distância – algo que definitivamente não existe na era tradicional dos samurais no Japão, mas ao mesmo tempo não é o Japão moderno. O que realmente NÃO existe no mundo de Naruto?
Levaria muito tempo para entrar em detalhe por detalhe, mas por exemplo, uma das coisas que eu foquei foi em que tudo que não fosse possível recriar ou fazer com o uso de ninjutsu ou habilidades ninjas, eu não colocaria no mundo de Naruto. Então, nada de carros. Por eles terem shuriken, não há armas também. Então há algumas coisas que eu tinha claramente na minha cabeça que não poderiam estar presentes.
– Você fez várias tentativas para criar um mangá shonen de sucesso até a criação de Naruto. O que te manteve firme nesses momentos desencorajantes de sua carreira?
Eu não sei se eu realmente cheguei nesse ponto extremo de desistir ou depressão. Eu sempre tive o pensamento de “Pô, me rejeitaram dessa vez, mas eu sei que serei um mangaká algum dia. Tudo bem. Vou apenas seguir em frente.” Parcialmente porque eu pensava que isso era o único jeito de eu me manter animado. Talvez isso seja um pouco besta. (risadas)
– A maioria da história de Naruto é contada sob a perspectiva dele, com ele como protagonista. No entanto, há uma enorme variedade de personagens interessantes na série! Isso despertou minha curiosidade, seria Naruto uma história completamente diferente se contada na perspectiva de outro personagem? Se você pudesse contar a história de outra perspectiva, qual personagem você escolheria?
Acredito que uma das possibilidades seria de escrever a história da perspectiva do Sasuke, ou dos mentores, professores como Jiraiya, porque há uma diferença de geração também.
– Como a história se diferenciaria na perspectiva desses personagens?
Isso me veio a cabeça agora, mas por exemplo, se eu fosse desenhar uma história da perspectiva do Jiraiya, pelo o que já sabemos dele, ele é não tão arrogante, mas sim confiante demais, fanfarrão e muito habilidoso. Mas há uma época onde ele ainda era muito jovem, onde não sabemos muito sobre ele e que ele era um pouco burro também. Então seria interessante mostrar esse contraste.
E também, Jiraiya cresceu numa época onde o jutsu que conhecemos no mundo atual de Naruto não foi bem aperfeiçoado, ou desenvolvido em alguns casos. Então acho que seria divertido mostrar essa melhoria.
– Isso seria interessante de ler! Com Naruto, você criou um universo muito rico com vários personagens, e você acabou de fazer “O Sétimo Hokage e o Mês da Primavera Escarlate”, o filme Boruto, e ainda tem o Kakashi Hiden. É muita coisa para apreciar, mas essas sequências são as últimas da história Naruto, ou você acha que há mais histórias para contar? Ou depois de 15 anos, você TERMINOU com Naruto? (risos)
Há infinitas possibilidades no momento. Se eu decidir que quero fazer mais histórias de Naruto, talvez eu irei, talvez não. Dito isso, não há nada em mente no momento. Mas há sempre a possibilidade…
– Legal. Então acho que fãs de Naruto podem manter um pouco das esperanças de ainda ver algo da série. Como mencionamos, Naruto possui vários e vários personagens maravilhosos. Mas houve personagens em Naruto que te surpreenderam pela grande popularidade?
Rock Lee.
– Então você decidiu colocar Rock Lee mais na história porque ele ficou popular?
Não necessariamente. É apenas o que ouvi. Me surpreendeu o quão popular ele era, mas não significou colocá-lo mais ou não na história. Mas isso não quer dizer que eu não considerei em escrever mais sobre ele ou criar mais histórias, mas não encontrava a oportunidade certa.
– Falando de novos personagens, enquanto a história se desenvolve, houve mais personagens multiculturais como Killer Bee. Pode nos dizer o porquê dessa decisão?
Quando eu comecei a expandir o mundo, especialmente introduzindo ninjas de outras vilas, a própria natureza da situação me forçou a abrir minhas perspectivas. Não vou dizer que foi necessariamente uma decisão deliberada, mas eu estava bem ciente do fato de que se eu quisesse que Naruto refletisse mais a sociedade, então talvez ficasse mais fácil para os fãs de aceitar a ver outras culturas e raças. Então por mais que não tenha sido uma decisão completamente deliberada, eu tinha ciência de que queria que Naruto refletisse melhor o mundo.
– A medida em que esses personagens aparecem em Naruto, muitos cosplayers negros e latinos ficaram felizes em ver personagens que eles poderiam ser mais fiéis e se relacionarem.
Isso me deixa muito feliz também!
– Você esperava uma reação tão dividida quando revelou com quem Naruto se casaria no futuro?
Eu não pensei que iria causar uma controvérsia tão grande.
– Sério? Não tinha ideia disso?
Por quê? Os fãs queriam ver Naruto junto com Sakura?
– Bem, com certeza há uma legião de fãs que se sentem assim, e tem outra que ficou muito feliz com Hinata. Mas ambos os lados tinham opiniões bem fortes!
Eu quase causei um alvoroço na minha casa também, porque minha esposa ficou muito chateada ao saber que Naruto não ficaria com Sakura. Pra ser sincero, ela reclamou de forma bem expressiva comigo! Uma boa parcela do público feminino no Studio Pierrot que produz o anime, também ficou chateado.
– E como você lidou com isso tudo, especialmente sua esposa?
Eu tentei me desviar do assunto ao garantir para minha esposa de que ELA era na verdade o modelo de inspiração pra Hinata. (risos)
– Sua família é mais tipo Hinata e Naruto ou Sasuke e Sakura? (risos)
Bem, talvez não seja nenhuma dos dois. Minha esposa é bem forte, uma personagem bem forte.
– Então ela é como a Sakura!
Acho que minha esposa provavelmente deve ter percebido que ela não era bem o modelo da Hinata (risos)
– Você decidiu o casal logo no início? Ou mais para o fim?
No meio.
– No meio da história? E o que o fez chegar nessa decisão?
Acho que o que me fez chegar nessa decisão foi, se você olhar lá atrás e pensar a respeito, Hinata sempre deu apoio e reconheceu Naruto, mesmo antes de Iruka. Ela tinha a habilidade de ver além da sua má reputação e enxergar o que havia dentro dele. Comecei a acreditar que eles deveriam ficar juntos.
– Que legal. Então você obviamente tem um carinho grande por esses personagens e a história. Levou mais de 15 anos da sua vida! Foi uma decisão difícil encerrar Naruto?
Já estava meio decidido, não necessariamente de início, mas eu sabia quando estaria concluído. Então não foi algo inesperado. No entanto, levou um tempo para aliviar a história e deixá-la concluir do jeito que eu queria.
Foi uma estrada dura, muito por conta de que eu queria que um dos temas finais fosse Naruto perdoando Sasuke. Eu queria que isso terminasse de uma forma mais “realística” e que fosse plausível. Por que se em um minuto eles estão lutando e logo depois eles se perdoam, seria estranho. Então teve vários buracos no caminho para chegar nesse destino.
– Você pode dar um exemplo desses buracos?
Acho que o arco do Pain. Foi difícil porque foi a primeira vez que Naruto realmente perdoou um inimigo. Eu não queria que a conclusão dos conflitos entre eles terminasse com uma batalha, e sim por conversa, então fazer isso foi algo bem difícil.
– Agora que Naruto acabou, você deu uma pista em outras entrevistas que considera criar como próximo projeto uma série sci-fi. Você mencionou que gosta de Star Wars, mas há outros Sci-fi que você gosta?
É difícil para mim citar um ou outro. Mas eu gosto bastante, por exemplo, de filmes sci-fi como Elypsium e Chappie.
– O que você gosta nesses filmes?
O senso desse diretor, o olhar cinemático do Blomkamp. Acho que o que eu gosto é que ainda há elementos de uma sociedade real dentro do filme e é misturado com elementos fantasiosos. Pega problemas atuais nossos e os expande.
– Você com certeza merece um tempo de folga após anos e anos desenhando um mangá semanal, mas quando podemos esperar um novo mangá?
Talvez depois que meu filho reconhecer o que eu faço e me reconhecer, e reconhecer o trabalho que eu fiz!
– O quê? Sério? Eles não o reconhecem?
Naruto consumiu tanto do meu tempo que eu não pude passar uma grande quantia de tempo de verdade com meus filhos. Apenas recentemente eles começaram a aceitar minha presença. Então eu acho que preciso esperar até que meus filhos deem a permissão para trabalhar numa próxima série.
– Isso é muito importante, e nós entendemos. Tenho certeza que os fãs são muito agradecidos pela chance de ver e ouvir você na sua primeira viagem ao ocidente em um evento desses. Dito isso, você tem uma legião de fãs ao redor do globo que anseiam pela sua visita em seus países e cidades. Para esses fãs que não tiveram a mesma oportunidade, você tem alguma mensagem para eles?
Primeiramente e o mais importante, eu gostaria de agradecer a todos os fãs por acompanharem Naruto e por amá-lo tanto. É realmente gratificante para mim. Mas apesar do que eu disse na última pergunta, quero dizer que talvez não de tanto para que uma nova série minha apareça. Após eu passar tempo suficiente com meus filhos, eles serão como outras crianças normais e dizer algo como “Beleza pai, você pode ir agora”. (risadas) Então espere por minha série num futuro não tão distante.